Idiomas dos Anjos

Cada postagem possui uma música tema... cada página que for ler, pule uma música no Ipode ao lado >>>

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A Guria Brejeira

Por: Rick W. Seeker


Mau a noite chegava e a criança da casa 302 chorava aos prantos sentindo o estômago devorar-lhe os intestinos, grosso e delgado.
O leite da mãe desatenta pingava saborosamente ao paladar da gatinha enjoada de ratos esturricados e magricelas, com o qual passou a conviver ordinária e pacificamente.
Mais abaixo do morro, a senhorinha de olhar vidrado de nada, baixava a tramela da pesada porta de madeira maciça e socava no beiral aberto, o pano de fuxico que não deixaria a chuva entrar.
O moçoilo que saía do banho sob os gritos da mãe “vai chover, vai chover” não pôde deixar de reparar no olhar da guria brejeira que espreitava do lado de fora, na esperança de que faltasse luz naquele momento para se fartar de “assombrassustos”.
Caminhava pela escuridão do negro céu, valsando por entre a brisa e as folhas dançantes que o uivante vento fazia rodopiar .
Era seu mundo o mundo dela, naquele momento, tudo era mágico, tudo ali era mágico... mágico.
Nada consumiria aquela alegria, e ao som da ventania ela rodopiava bailarinamente descompassada e os flashes para seu estrelato relampejavam .
Murmúrios vizinhados eram aplausos ecoados de paredes e vitrores encardidos, empoeirados.
Era bela a guria, mas tão igualmente incompreendida
Brejeira, talarica, desmazelada, gatuna, rampeira, viajada, trombadinha, meia figa... Sonhadora!
Nada se sabia sobre a guria, exceto o fato de que fora criada por ciganos da comunidade vizinha, e que roubava criancinhas para fazer o cozido do meio dia,
Não se importava também ela, com os comentários que faziam, apenas sorria, como se aquelas palavras – zombaria- fossem um outro idioma que de fato desconhecia.
Queria brincar; Os pais – das outras – impediam.
Foi nessa noite, desse dia, que a senhorinha esperando a chuva na janela da cozinha, viu a menina descendo e subindo pela cidade apagada, quase sem vida e sem barulho, sem novela sem TV que na época não existia,  só o 302 entregando a noite tardia.
Desesperada e quase sem enxergar, a senhorinha por curiosidade deixou-se escorregar.
PLAFT ouviu-se abafado a comunidade.
“Fecha porta, vem a chuva” novamente berrou estridentemente a mãe do moçoilo que flutuava em pensamentos ao contemplar a valsa singular da guria brejeira, uma princesa com trejeitos másculos, sem noção. Impecável seu olhar, sua valsa a navegar... Divagar... Navegar.
Dos gritos infantis do 302 nada mais se ouviu, o bebê dormiu, a senhorinha que caiu, pela guria foi socorrida e entre resmungos e praguejos um obrigado balbuciou.
Dizia sua finada mãe, "educação até mesmo a um ladrão".
A guria sorriu, partiu, a porta torta, o moçoilo pôs a  fechar, mas ainda assim pela fresta observar, a guria brejeira, apenas mal vista mas por ele bem quista, a partir, caminhar.. sumir... camin..
(Rick W. Seeker)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O Menino Varrido





O sol não estava lá. Havia algo fora do lugar no amanhecer do pequeno vilarejo. A menina-de-trança foi até a janela investigar o que sucedia. O velho-de-bengala consultou o serviço meteorológico no rádio-amador. A senhora de chapéu azul turquesa abriu o jornal em busca do horóscopo enquanto sua filha-namoradeira desenhava uma interrogação em cada olhar. O menino-varrido nem deu conta do que se passava, mas ele também nunca expressava a menor reação diante dos problemas coletivos. Era metido a cientista, o menino. E toda gente comentava das experiências químicas e místicas que ele praticava. Era meio-autista, meio-bruxo, meio-magro. Dedicava seus dias a bolar truques de mágica que nunca davam certo. Mantinha-se recluso em seu mundo de experimentações e não lhe sobrava tempo para manifestações como aquela que acontecia lá fora naquele momento. O fato é que toda a comunidade saiu em protesto. O bafafá tomou corpo quando, finalmente, olharam pro céu e deram por falta dos raios solares que até então nunca haviam se ausentado do rotineiro amanhecer local. O astro-rei não estava lá, tinha tomado um chá-de-sumiço. E cada boca sussurrava: "Onde estará? Onde estará?". Foi quando o menino-varrido saiu gritando à toda gente. Ele estava radiante pois havia realizado sua primeira mágica bem-sucedida. As palavras atropeladas brotavam de sua garganta como buquês de felicidade. E nessa hora todos olharam pra dentro dele. O sol estava lá.
Maíra Viana

Deixe seu Recado